segunda-feira, dezembro 19, 2005
bonecas bahianas
segunda-feira, dezembro 12, 2005
sábado, novembro 19, 2005
Tinha um hábito muito peculiar
Tinha um hábito muito peculiar. Adorava correr nua para o teto do prédio quando passavam helicópteros. Se divertia com a possibilidade de acidentes aéreos. Vinha doida subindo as escadas tirando a blusa e jogando longe o sutiã. Parava com um ar coquete bem no meio da laje e se tremelicando toda levantava os braços. Inventara uma maneira de tremer-se toda, bem rápido, de modo a balançar bastante os seios. Acreditava que por algum efeito óptico qualquer, do helicóptero seriam vistos três seios, o que provocaria o possível acidente. Ria-se de cair no chão, às gargalhadas. Endiabrada, sabia que somente poderia ser vista de cima. Nenhum vizinho a veria nunca, e se vissem, pensava sempre deliciada com um sorrisinho: fodam-se. Havia prometido a si mesma dar especial atenção as suas próprias baboseiras. Desenvolvera uma teoria: o mundo das pessoas comuns é na verdade um diabo chato e avarento sem imaginação e nada divertido que queria dominá-la, por dentro, nos pensamentos, nos pequenos hábitos, naquilo que ninguém tem nada com isso de modo a torná-la chata e avarenta, sem imaginação e nada divertida.
A coisa mais sublime era quando, diante de algum argumento estruturado e moralizante, repetia a mesma sentença e alterava seu sentido levantando a sobrancelha, ou fazendo alguma mensura idiota de modo a comprometer o sentido da fala, mantendo uma postura concentrada e dramática de quem absorve aquele argumento a ponto de colocá-lo na lapide do túmulo. Era tida por sonsa; professores, chefes, parentes e figuras hierarquicamente superiores, era uma unanimidade, coisa de gente burra.
Ouvia atentamente as histórias de sua avó com quem, desde pequena, combinava as histórias mais absurdas para comentarem com a família na mesa, ou na frente da televisão. Crimes fantasiosos, datas comemorativas inventadas, teorias conspiratórias de todo tipo que eram repassadas a vizinhos, conhecidos, nos ônibus, estações de trem. Sempre uma seita nova para acabar com o mundo ou a morte prematura de algum famoso amado por todos. Quanto mais famoso, mais morria. Uma carnificina impar. Vírus asiáticos que chegavam nas malas de turistas. Sucuris do pantanal nos esgotos das cidades. Jacarés de água salgados confundidos com tubarões e sempre uma autoridade escondendo os fatos para não causar pânico nas populações. Vez por outra dava certo e acabavam pré-noticiando a morte de fulano ou cicrano, o que provocava sempre grande alvoroço na casa. Gritos triunfantes: ?morreu?. Parecia final de copa do mundo. Na falta do que fazer, iam ao velório compartilhar com os fãs memórias inventadas. Nada mais divertido do que vovó partilhando memórias de fulano com sua netinha e um curioso acreditando em tudo e com olhos crédulos dizendo: disso eu não sabia.
Com a ajuda de sua avó, atormentava as crianças do vizinho da casa da frente com supostas histórias do jornal de anteontem. Seqüestro de crianças cuja descrição sempre coincidiam com as do público ouvinte. Maníacos, tarados, um vasto repertório de criaturas bizarras escondidas por trás de respeitáveis senhores de terno e velhas loucas com cabelo desgrenhado que moravam nos finais das ruas. Era batata, todo fim de rua tinha, fatalmente, uma velha louca de modo que se no final de uma rua não se desse de cara com uma velha louca de cabelos desgrenhados carregando crianças em um saco é porque se estava no começo da rua. O final da rua seria do outro lado, como dois e dois. Certa vez, chegaram supostamente a ligar para a polícia, denunciando os pais dessas crianças após constatarem a semelhança do casal com um casal de rufiões, ao que as crianças somente reagiam dizendo: mentira, papai trabalha na farmácia; ao que vovó respondia: o velho truque da farmácia, sei. Por anos a menina do meio procurou na multidão aquela que seria a sua cópia e a qual deveria matar antes que fosse morta e seu lugar na família tomado por aquela falsa criatura que, então, passaria a ser ela mesma. Com o mais velho foi pior. Esse passou muito tempo tentando lembrar de quando teria matado o seu original e tomado o lugar desse suposto nos braços de sua mãe e pai até que chegou a impressionante conclusão de que se fosse ele o outro, ainda assim seria ele mesmo o outro, o que não faria diferença nenhuma. Quanto ao assassinato, concluiu que não há corpo sem crime, ou crime sem corpo, enfim.
Tinha obsessão pelo método. Sabia que seguindo à risca qualquer receita de bolo, sairiam bolos medonhos ? conselhos de sua avó ? e fazia bolos metodicamente preparados e ficava ansiosa olhando pelo vidro do forno até vê-los murchar invariavelmente. Somente ficava mais feliz quando o bolo dava certo, o que implica dizer que sua teoria dava errado e que não havia receita possível para controlar a possibilidade do sucesso do bolo, nem o contrário disso.
Por essas e por outras nunca acreditou em telejornais. Sempre pensava na criatura que estaria por trás daquelas histórias e as histórias que sairiam daquela primeira história se repetindo e se modificando a cada comentário feito dos diversos pontos de referência possíveis. Depois substituiu essa visão das coisas por uma teoria fatalista que dizia que nada é determinante. Se alguma coisa é determinante, essa coisa estaria acima de alguma lógica humana possível de modo que ela, como ser humano compreendido dentro das suas possibilidades de percepção e raciocínio, refutava qualquer argumentação indutiva afirmando a impossibilidade das coisas serem diferentes do que eram. Sempre poderia se chegar um segundo antes ou depois da bala fatal, bastaria se adiantar ou se atrasar por algum motivo. Ou se o atirador fosse míope e o alvo fosse outro que não o alvo atingido? E se o atirador levasse na cabeça um cocô de passarinho? Um espirro? E se o atirador fosse um suposto traído e perdoasse, por algum motivo, o traidor? E se o traído chegasse a conclusão que sua vida é bem melhor longe de pessoas que traiam sua confiança e fosse a praia? Praia é sempre solução para todas as coisas. De modo que sempre haveria milhões de maneiras de não se estar na frente da bala quando do tiro, ou o contrário, sempre haveria milhares de maneiras de se estar diante de uma bala quando de um tiro. Ao que se conclui que o Santos Dumont tendo escapado de todos os tiros possíveis, perdoado todos os traidores possíveis e sido perdoado por todas as traições possíveis, inventou o avião, o que alterou consideravelmente o destino do planeta, não só da humanidade. Esse raciocínio compreende as baleias brancas e os passarinhos sem asa da Oceania, que por sua vez, caso tivessem asas poderiam ser de vários outros lugares que não a Oceania, nem mesmo havendo motivo aparente para que fossem habitar justamente a Oceania e serem caçados por atiradores que poderiam ter, acidentalmente, acertado o Santos Dumont que, morto, não teria inventado o avião. Poderia ainda o passarinho ter sido pego pela hélice do avião e danificado o motor sendo tudo muito mais fantástico e vexatório e feito com que as pessoas, desacreditadas pelo vôo frustrado em função do passarinho, chegassem a entender que não seria possível o avião em função dos passarinhos sem asas da Oceania que, tendo asas, seriam de todos os lugares e, portanto, uma ameaça à aviação mundial. Enfim.
No seu conceito de acidentes aéreos constavam alterações de rotas, pequenos atrasos que seriam determinantes no desenrolar da vida das pessoas envolvidas e o seu papel na história da humanidade daí por diante. A teoria das balas funciona também para carros e atropelamentos, naufrágios, raios, hecatombes nucleares entre outros. Alias, adorava o termo hecatombe. Achava melhor do que ?porra?. ?Porra? era, sem dúvida, um termo muito bom de se dizer; tem energia, é concentrado e enche a boca, mas ?hecatombe?, compreende todo um continuo que acaba com um biquinho e um queixo mole, uma boca entreaberta entre o perplexo e o abobalhado, soberbamente imbecil ? pausadamente: he ca tom be! maravilhoso. Bom, mas voltando ao assunto, por exemplo, um atraso de trinta segundos seria determinante no atropelamento, ou não, de alguém que estivesse nos helicópteros. Pensava: e se estiver no helicóptero o inventor do tele-transporte? A sua participação na história do mundo seria determinante ao tremelicar nua no telhado de um prédio. Ai poderia ser inventado o tele-transporte que por outro lado poderia possibilitar que ela pudesse tremelicar dentro dos helicópteros provocando acidentes aéreos mais enfáticos e depois poderia ir para praia e ler no jornal a história feita em cima da história que ela inventou. Mas pensava também que o tele-transporte poderia levá-la a vários outros lugares não programados. Sabe-se lá, digitar errado o e-site. E se fosse por coordenadas georeferenciadas? Como se chegaria a um helicóptero em movimento? Poder-se-ia transportar partes das pessoas? Quem sabe poderiam aparecer dentro do helicóptero dois seios tremelicando? Seria um acidente e tanto. Imaginava então: três seios em efeito óptico soltos dentro do helicóptero. A cara do piloto. Seria um delírio! Quanto a mortos e feridos, salvar-se-iam todos, afinal, tele-transporte serve pra isso: transportar alvos, atiradores, traidores e traídos para antes ou depois das balas. E as balas tele-transportadas? Essas iriam a praia, enfim, praia é solução p
sexta-feira, novembro 04, 2005
tô dando um tempo
Não que eu queira uma vida dissoluta
Mas está me faltando assunto para estar entre os vivos
Mas está me faltando assunto para estar entre os vivos
quinta-feira, outubro 20, 2005
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Chico Buarque - Ruy Guerra
1972-1973
Ela sabe dos caminhos
Dessa minha terra
No meu corpo se escondeu
Minhas matas percorreu
Os meus rios
Os meus braços
Ele éo o meu guerreiro
Nos colcões de terra
Nas bandeiras, bons lençóis
Nas trincheiras, quantos ais, ai
Cala a boca
Olha o fogo
Cala a boca
Olha a relva
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Ele sabe dos segredos
Que ninguém ensina
Onde guardo o meu prazer
Em que pântanos beber
As vazantes
As correntes
Nos colchões de ferro
Ele é o meu parceiro
Nas campanhas, nos currais
Nas entranhas, quantos ais, ai
Cala a boca
Olha a noite
Cala a boca
Olha o frio
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Chico Buarque - Ruy Guerra
1972-1973
Ela sabe dos caminhos
Dessa minha terra
No meu corpo se escondeu
Minhas matas percorreu
Os meus rios
Os meus braços
Ele éo o meu guerreiro
Nos colcões de terra
Nas bandeiras, bons lençóis
Nas trincheiras, quantos ais, ai
Cala a boca
Olha o fogo
Cala a boca
Olha a relva
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Ele sabe dos segredos
Que ninguém ensina
Onde guardo o meu prazer
Em que pântanos beber
As vazantes
As correntes
Nos colchões de ferro
Ele é o meu parceiro
Nas campanhas, nos currais
Nas entranhas, quantos ais, ai
Cala a boca
Olha a noite
Cala a boca
Olha o frio
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Crônicas de um sedutor elegante - mais Antônio Maria por Joaquim Ferreira dos Santos
Crônicas de um sedutor elegante
José Castello
Joaquim: "Antônio Maria era movido a amor"
20.10.2005 | As crônicas de Antônio Maria, o grande boêmio, o grande romântico, o grande melancólico, estão de volta. ?Seja feliz e faça os outros felizes? (editora Civilização Brasileira), uma seleção de trinta e quatro delas organizada pelo jornalista e também cronista, de ?O Globo?, Joaquim Ferreira dos Santos, traz um subtítulo que pode parecer redutor: ?Crônicas de humor de Antônio Maria?. Mas só parece.
O realce do humor resume a face solar de um pernambucano com o coração carioca, que fez muita gente soluçar quando se punha a exercitar seu outro lado, o melancólico, consagrado em especial nas célebres canções do gênero dor-de-cotovelo. Como sofrer de melancolia e, ao mesmo tempo, ser cômico? Em suas crônicas, Maria exercitou, como poucos, essa ponte difícil, mas fundamental, entre a infelicidade e a felicidade. E essa coragem fez dele um grande cronista.
Maria foi um cronista prolixo que, até morrer precocemente, no ano de 1964, aos 43 anos, do coração, publicou nos jornais quase três mil crônicas. Como agüentou, como teve forças, para escrever tanto? De onde tirava tantas idéias? Joaquim Ferreira fez sua seleção pesquisando as páginas de ?O Globo?, da ?Última Hora? e de ?O Jornal? entre os anos de 1955 e 1964. O resultado é muito revelador, já que Maria pertence à tradição dos grandes cronistas brasileiros do século 20, como Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Carlinhos Oliveira e Fernando Sabino, ainda que seja, provavelmente, o mais esquecido deles.
?Maria dizia escrever sobre o Nada?, Joaquim relembra em sua apresentação. ?Era quase uma antecipação de Woody Allen?. O interessante nas crônicas de Antonio Maria é que elas antecipam um tipo particular de liberdade interior, de afrouxamento das defesas retóricas e solenes, que se tornariam, depois, marcas do gênero. Maria talvez tenha sido desprezado porque, se tinha um pé no futuro, conservava o outro fincado, com teimosia, no passado. Aqueles que se julgavam modernos - ainda que muitas vezes não fossem - o viam como um passadista. E ele soube tirar proveito, muito proveito, desse lugar marginal que lhe coube.
Joaquim Ferreira dos Santos está lançando, ainda, um livro de crônicas pessoais, ?Em busca do borogodó perdido? (editora Objetiva, com lançamento previsto para o dia 26 de outubro, a partir das 19 horas, na butique Maria Bonita Extra, em Ipanema). Livro em que ele se afirma como um dos mais inspirados cronistas da nova geração. Joaquim tem, como Maria, uma sensibilidade especial para encontrar significado nas coisas desprezíveis. Para se encantar com as miudezas, com aquelas coisas banais que nem percebemos, com - como diz nosso preconceito - as bobagens. Tudo aquilo, enfim, que fica de fora do grande jornalismo. É sobre esse amor à crônica como lugar da liberdade e do anticonvencional, mas também da sensibilidade e da delicadeza, que ele fala na entrevista que se segue.
Lançamentos do cronista:
de organizador a autor Antonio Maria seria considerado hoje, certamente, um melancólico. É provável que nossos psiquiatras quisessem, até, tratá-lo com antidepressivos. E até mesmo, como fez o psiquiatra de Van Gogh em relação a sua pintura, quisessem ?curá-lo? de sua música e de seu estilo um tanto mórbido. Que importância tem, para você, essa reaproximação com um personagem como Maria?
A aproximação não é com o personagem, mas com a obra. O comportamento de Maria, o apaixonado radical ao estilo Vinicius, sempre carente de uma inspiração amorosa para produzir, é um detalhe. A Bossa Nova também não percebeu que por trás do melancólico havia um cara moderno, sofisticado. Ronaldo Bôscoli, já que Maria cultuava a fossa, o tratou como um passadista qualquer. Mas não era. Uma crônica como ?Seja feliz e faça dos outros felizes? mostra que, sob a aparência da melancolia, havia sempre o humor. Um humor não escancarado, nada óbvio, mas que brincava com aquela infelicidade toda. Não se levar a sério todo o tempo é uma maneira de sair da melancolia, de desfazer a imagem do chato, do deprimido de carteirinha.
As crônicas e músicas de Maria trazem algumas teses radicais sobre o amor. O ?ninguém me ama?, apesar de clichê da dor de cotovelo, mostra, ao mesmo tempo, uma fé inabalável no amor e ainda a consciência dramática de sua impossibilidade. Hoje, nos tempos do ?amor líquido?, como já definiu um sociólogo, o que resta para o ?amor duro? defendido por Maria?
Maria era movido a amor, como diria um clássico qualquer do clichê barato. Seu ?Diário?, lançado há dois anos, mostra sua busca da mulher ideal, da relação perfeita, da sintonia exata entre homem e mulher. Maria estava muito distante do cinismo de hoje, do ?ficar com?, do correr atrás. Foi um sedutor elegante que, segundo o depoimento das mulheres, usava a fragilidade, e não o machismo, como método de aproximação. Morreu buscando o amor, dizem até que morreu por causa da profunda dor de sua separação de Danuza Leão. Mas não acredito nisso. Ele tinha muitos problemas de saúde, principalmente problemas de coração, e apagou por causa dos excessos, e não das faltas.
Você é um especialista sensível nas coisas do passado, nas miudezas do cotidiano, nas experiências pequenas. Nesse sentido, o jornalismo que você pratica se opõe ao jornalismo dominante, das grandes manchetes, dos grandes escândalos, da novidade a qualquer preço. Maria, com sua melancolia e suas idéias românticas, parece ser hoje um personagem anacrônico. Qual o significado de seu interesse por ele?
Tenho pelo Maria o mesmo interesse que tenho por aquela geração de ouro de cronistas. Braga, Sabino, Mendes Campos, Carlinhos são todos meus ídolos, escritores que conseguiram uma temperatura perfeita entre literatura e jornalismo, a ponto de se integrarem com suavidade no corpo da revista ?Manchete?, que foi a primeira grande vitrine desse tipo de texto. Eu tento seguir esse caminho, busco um texto que se equilibre entre o literário, a experimentação, um dar de ombros para alguns paradigmas do que seja um texto de jornal, mas sempre de olho na leitura. Eu quero ser lido. Maria fazia exatamente a mesma coisa. Escrevia todos os dias, vou repetir, todos os dias em um jornal - ?O Globo?, ?Última Hora?, ?O Jornal? - e misturava alhos com bugalhos. Misturava reportagem policial com perfil com crítica com noticiário da noite com crônica e mandava o pau na máquina sem perguntar o que era o quê. Ao contrário de Braga, Mendes Campos e Sabino, ele se aproximava mais do texto jornalístico que do literário. Rubem Braga poderia ter acabado na Academia Brasileira de Letras. Maria, não.
Maria se interessava pelos sujeitos que caminham na contra-mão de seu tempo. Por exemplo, Adamastor, ?o estranho homem puro?, personagem de uma série de crônicas deliciosas. Homens anacrônicos, muitas vezes desagradáveis e rabugentos, mas que, com sua resistência ao presente, denunciam o que o presente tem de descartável, de tolo, de imprestável. Quando falava desses personagens, Maria estava falando de si mesmo?
O Adamastor está sendo publicado em livro pela primeira vez. Eu acho que o Maria ia de Adamastor quando estava cansado de falar na primeira pessoa. Nesse caso, o outro falava o que ele não tinha coragem de falar. Pela liberdade que se permite, são momentos de fino estilo. Eram momentos - digo aqui da minha varanda de sacadas - em que ele se cansava de ser politicamente correto e metia o pau no folclore, no respeito aos índios, no artesanato e outras mumunhas respeitáveis na época. O Adamastor devia ser metade o próprio Maria, sua face oculta. E, na outra metade, o desejo de descansar de si mesmo. Era a delícia da irresponsabilidade.
O humor de Maria é um humor delicado, sutil, que se opõe ao humor pesado de hoje, ao estilo Casseta e Planeta. Isso aparece, bem claro, quando Maria se põe a escrever um consultório sentimental. Está, por exemplo, na resposta que dá à consulente Cláudia Rúbia, uma mulher bonita que quer ingressar no cinema e lhe pergunta o que deve fazer. ?Comprar uma entrada?, Maria se limita a sugerir. Esse humor ingênuo, comparado com o humor feroz de hoje, não parecerá tolo?
Vejo semelhanças com o humor do Casseta, mas muito rápidas. Por exemplo, na maneira de Maria brincar com os personagens da atualidade e de não respeitá-los. Zoava dos amigos também, transformava o Caymmi, o Di Cavalcanti, o Vinicius em personagens. Lidas hoje, cinqüenta anos depois, algumas cartas do consultório sentimental podem soar ingênuas. Mas o PRK-30 também, os irmãos Marx também. Não podemos esquecer que ele passava parte do dia escrevendo piadas para as rádios e isso o obrigava a baixar um pouco a mão. Mas a produção de humor para os jornais, pela sofisticação e estilo, assegura um papel de destaque ao humorista Maria. Infelizmente, ele ficou marcado pela turba da Bossa Nova como um sujeito a ser detonado. Mas eram tempos de rancores radicais. Maria talvez sofresse mais que os Bôscoli da vida, talvez fosse menos bonito e mais pernambucano. Mas, com as palavras, estava na mesma sintonia da modernidade, como se pode atestar por muitas letras de música, todas solares e Bossa Nova total.
Maria foi apaixonado pela realidade. Em uma crônica, ?Ao povo mineiro no mundo inteiro?, ele oferece uma frase que sintetiza essa paixão: ?Basta que você deixe de interpretar as coisas?. Pegar as coisas de modo direto, sem volteios, sem complicações, é um atributo comum entre os grandes cronistas. Pergunto a você, que também é excelente cronista: por que essa maneira franca de narrar o mundo, mesmo entre os cronistas de mais prestígio, parece estar hoje em desuso?
Esses caras escreveram muito, nos sentidos de qualidade e de quantidade. Carlinhos Oliveira, que já pertence a uma outra geração, tinha um estilo bastante próximo do artigo jornalístico. Ele escrevia muito na redação e isso acabou impregnando seus textos de alta temperatura jornalística. Braga e Paulinho gostavam de uma cena menos veemente, mais lírica. O Maria é, talvez, uma passagem entre esses dois estilos. Escrevia, como você diz, de uma maneira franca. Seja ela o que for, acho que as crônicas de hoje precisam de mais veemência. Cá entre nós, já que ninguém está nos ouvindo: eu já não lia o Rubem Braga em sua fase final, quando ele publicava suas crônicas no ?Estadão?. Acho que o desafio da crônica, hoje, é encontrar o tom que não a torne um bichinho estranho no corpo do jornal. Nem quente e tensa demais, como se fosse mais uma matéria, nem lírica e lenta que desanime e afaste do leitor.
Em ?Café com leite?, Maria diz: ?O homem só tem duas missões importantes: amar e escrever à máquina?. Essa redução da existência a dois elementos fundamentais e semelhantes, sexo e criação, talvez ilustre a maneira como Maria gostava de descomplicar o mundo, de simplificá-lo. Numa época como a nossa, de especialistas e jargões profissionais obscuros, que lugar sobraria para o modesto Maria?
A crônica é, por princípio e charme, um gênero menor. Mas é também um jornalismo metido a besta, com umas palavras que não costumam aparecer nas reportagens. Sou um apreciador do novo jornalismo americano, que mistura todos os gêneros: reportagem, ensaio, artigo, crônica, diálogos e o que mais couber. O Maria escrevia para ganhar dinheiro, como todos nós, jornalistas. Tanto que morreu sem publicar nenhum livro, seus livros são todos póstumos. Em suas gavetas, nada foi encontrado além de seu diário. Todo o resto do material reunido em livro foi recolhido dos jornais. Maria escreveu sempre pressionado pelos prazos e o bafo de um editor no cangote, arrancando-lhe o texto da máquina. Ele disse que escrevia um diário para escrever sem compromisso e com liberdade. Era um jornalista, não um literato. Sua palavra de ordem era: ?Qual é o trabalho que tem aí para fazer??
Você está lançando, também, um livro de crônicas que, aliás, tem um título, e também uma capa, muito inspirados. Como você chegou à crônica? E como você se vê, se critica, como cronista?
Eu comecei a escrever crônicas por acaso, no jornal ?O Dia?, do Rio de Janeiro, no ano 2000. Foi acaso mesmo: sobrou o espaço de um cronista e me escalaram para preenchê-lo. Eu preenchi. Depois fui para o ?Jornal do Brasil?, agora estou no ?Globo?, e continuam deixando que eu escreva minhas crônicas. Como o jornalista começou na frente e o cronista é recente, acho que ainda tem muito jornalismo no que escrevo. É uma constatação, não chega a ser uma crítica, eu sempre gostei de crônicas que se aproximam da reportagem. Espero chegar a um ponto em que nenhum desses gêneros fique com o rabo de fora e seja tudo ainda uma coisa a se classificar. A crônica é um gênero híbrido. Ela começa sempre pelo espaço do jornal e isso acaba impregnando o estilo. Braga resumia a coisa assim: ?Se a pensata não é aguda, é crônica?. Acho que a crônica deve ser leve, não necessariamente com muito assunto. Mas com estilo e originalidade e, de preferência, abusar da subjetividade, com direito a muito ?eu isso?, ?eu aquilo?.
Você ainda não disse quem é seu cronista favorito. Aquele cronista de cabeceira, que está sempre rondando, como um fantasma, às suas costas. Quem é ele? E como você vê os cronistas de hoje? Eles avançaram, ou retrocederam em relação aos cronistas ?clássicos??
Gosto, acima de todos, do Rubem Braga, que na verdade tem um nicho próprio dentro da crônica carioca. Sei lá o que é aquilo. Poesia? Conto? Nuvem? O Braga é um gênio absoluto, é tudo o que eu gostaria de ser um dia em que finalmente crescesse. Quanto à crônica de hoje, acho que ela está passando por um momento de transformação. Todos os grandes jornais têm cronistas diários, cada um com um jeito de escrever. Ou seja, todos concordam que o espaço é necessário. Quem o ocupa, isso fica ao gosto do editor. Muita gente escreve artigos nos espaços destinados à crônica. Eu persigo uma coisa no meio do caminho, com direito a vôos poéticos e bem pessoais, até o direito moderno de experimentar estilos e de salpicar tudo com jornalismo.
As reportagens vêm dos fatos, os artigos de fundo das idéias, a crítica vem dos objetos da cultura. As crianças nós sabemos de onde vêm. De onde vêm as crônicas?
Eu já escrevi uma crônica exatamente sobre isso, de onde vêm as crônicas. É um vale- tudo. Já escrevi crônica para uma palavra só, ?borogodó? - uma palavra antiga, que o dicionário define como um ?atrativo físico muito peculiar?. Já escrevi crônicas que eram perfis, como do Gay Talese. Reportagens, como o casamento do Luciano com a Angélica. Tudo, sempre, de um jeito desparagonado. Costumo definir a crônica como um quadradinho delimitado por um fio, e o editor escreve em cima: ?crônica?. O resto é com o autor. O bom cronista tira crônica de tudo e nisso o Rubem Braga foi imbatível. Tirava assunto de absolutamente nada.
Tirando o tal fio que a cerca e a palavra ?crônica? em cima, a crônica hoje parece um gênero esfacelado. A crônica clássica, ao estilo do Braga, já não faz mais sentido?
O esfacelamento da crônica é o reconhecimento de que a crônica tradicional, tal como o Braga e o Paulinho escreviam, não cabe mais nos jornais. Eles tinham uma levada e uma aproximação com a realidade que não combinam mais com os tempos de hoje. Ainda ficariam bem, talvez, numa revista. Ainda assim, os leitores dos jornais adoram as crônicas, o que é uma maneira de dizer que querem um texto diferente do resto do jornal. Eu sonho com o dia em que o texto de jornal seja tão original e personalizado quanto o das crônicas. Nesse caso, os cronistas ficariam liberados para radicalizar na experimentação e se tornariam definitivamente autorais. Acho que se faz muita crônica de cinema, muita crônica de psicologia, é verdade que algumas muito boas, nos espaços reservados às crônicas. Mas acho que esses textos estão no lugar errado.
quarta-feira, outubro 19, 2005
eu não amo a Catarina
hoje sonhei assim
eram casas à beira de um lago ou baia, não sei bem. as águas estavam agitadas. parecia mais uma ressaca. algumas vezes as águas apareciam como névoa, serração sobre um lago. via uma casa da minha varanda. a casa era de um estilo "americano, costeiro" muito próxima da beira d'água, amarela com detalhes em branco. as ondas chegavam a alcançar o segundo andar da casa molhando as varandas e davam a impressão que passavam pelas esquadrias e enchiam o quarto de água do mar. a casa em que eu estava era de um casal e conseguida por um conhecido meu. em determinado momento eu estava tomando uma ducha quando me aparece um coquer no banheiro. lembro ter imaginado que o casal dono da casa o teria deixado lá sem me avisar. em determinado momento andando pela casa imagino o perfil dos donos da casa: pessoas muito organizadas e preocupadas com sua aparencia e limpeza do ambiente. pouco depois, indo para a cozinha, encontro um casal que imagino serem os dono da casa. existe algo de vulgar nos dois. o marido parecia mais um amante meio bruto. a mulher era afetada. uma puta sem modos fantasiada de cafetina. achei estranho mas, por mim, tudo bem.
muda a cena
o fantasma de um homem me ataca no meio da sala. grita e me estrangula. fica gritando que aquela mulher simula a filha dele e que naquele momento ela esta na varanda travestida. por algum motivo ele me puxa para ver. aos gritos ele entra no quarto. agora ele se comporta como um marido e descortina as janelas para que eu possa ver a tal mulher. é noite.
outra cena.
o fantasma levanta de cima do corpo da mulher falsa com as mão cheias de esperma e as limpa no tecido da calça.
eram casas à beira de um lago ou baia, não sei bem. as águas estavam agitadas. parecia mais uma ressaca. algumas vezes as águas apareciam como névoa, serração sobre um lago. via uma casa da minha varanda. a casa era de um estilo "americano, costeiro" muito próxima da beira d'água, amarela com detalhes em branco. as ondas chegavam a alcançar o segundo andar da casa molhando as varandas e davam a impressão que passavam pelas esquadrias e enchiam o quarto de água do mar. a casa em que eu estava era de um casal e conseguida por um conhecido meu. em determinado momento eu estava tomando uma ducha quando me aparece um coquer no banheiro. lembro ter imaginado que o casal dono da casa o teria deixado lá sem me avisar. em determinado momento andando pela casa imagino o perfil dos donos da casa: pessoas muito organizadas e preocupadas com sua aparencia e limpeza do ambiente. pouco depois, indo para a cozinha, encontro um casal que imagino serem os dono da casa. existe algo de vulgar nos dois. o marido parecia mais um amante meio bruto. a mulher era afetada. uma puta sem modos fantasiada de cafetina. achei estranho mas, por mim, tudo bem.
muda a cena
o fantasma de um homem me ataca no meio da sala. grita e me estrangula. fica gritando que aquela mulher simula a filha dele e que naquele momento ela esta na varanda travestida. por algum motivo ele me puxa para ver. aos gritos ele entra no quarto. agora ele se comporta como um marido e descortina as janelas para que eu possa ver a tal mulher. é noite.
outra cena.
o fantasma levanta de cima do corpo da mulher falsa com as mão cheias de esperma e as limpa no tecido da calça.
segunda-feira, outubro 17, 2005
lá vem o nosso alimento pulando!
"CATHARINE:
- Garçons, polícia, e outros-saíram correndo dos prédios e apressadamente subiram a ladeira de volta comigo. Quando retornamos ao lugar onde meu primo Sebastian desaparecera entre [o bando de crianças nuas], ele-ele jazia nu como eles estiveram nus contra uma parede branca, e nisso você não vai acreditar, ninguém tem acreditado, ninguém poderia acreditar, ninguém, ninguém na face da Terra poderia acreditar, e eu não os culpo!-Eles tinham devorado partes dele.
[Mrs. Venable reprime um grito.]
Rasgado ou cortado partes dele com as mãos ou as facas ou talvez com aquelas latas abertas violentamente, com as quais faziam música, tinham rasgado pedacinhos dele, enchendo suas bocas ferozes, deglutinadoras, pretas, pequenas e vazias com eles. Não se ouvia mais nenhum som, não se via nada senão Sebastian, o que restou dele, que parecia um grande ramo de rosas vermelhas embrulhadas em papel branco que foram rasgadas, jogadas, esmagadas!-contra aquela parede branca fulgurante. . ."
Extraído de Tennessee Williams, [De repente no último verão] (1958), cena IV. Traduzido do inglês por Veronica Cordeiro
- Garçons, polícia, e outros-saíram correndo dos prédios e apressadamente subiram a ladeira de volta comigo. Quando retornamos ao lugar onde meu primo Sebastian desaparecera entre [o bando de crianças nuas], ele-ele jazia nu como eles estiveram nus contra uma parede branca, e nisso você não vai acreditar, ninguém tem acreditado, ninguém poderia acreditar, ninguém, ninguém na face da Terra poderia acreditar, e eu não os culpo!-Eles tinham devorado partes dele.
[Mrs. Venable reprime um grito.]
Rasgado ou cortado partes dele com as mãos ou as facas ou talvez com aquelas latas abertas violentamente, com as quais faziam música, tinham rasgado pedacinhos dele, enchendo suas bocas ferozes, deglutinadoras, pretas, pequenas e vazias com eles. Não se ouvia mais nenhum som, não se via nada senão Sebastian, o que restou dele, que parecia um grande ramo de rosas vermelhas embrulhadas em papel branco que foram rasgadas, jogadas, esmagadas!-contra aquela parede branca fulgurante. . ."
Extraído de Tennessee Williams, [De repente no último verão] (1958), cena IV. Traduzido do inglês por Veronica Cordeiro
Barbarism Begins At Home
The Smiths
Garotos desobedientes
Que não se tornarão adultos
Devem ser pegos pela mão
Garotas desobedientes
Que não acomodarão
Devem ser pegas pela mão
Uma pancada na cadeça
É o que você ganha por não perguntar
E uma pancada na cadeça
É o que você ganha por perguntar
She Said She Said
The Beatles
Ela disse: "eu sei como é estar morta
Sei como é estar triste"
E ela me fez sentir como se eu nunca tivesse nascido
Eu disse: "Quem pôs essas coisas na sua cabeça
Coisas que me fazem sentir mal"
E você está me fazendo sentir como se eu nunca tivesse nascido
Ela disse: "Você não entende o que eu digo"
Eu disse: "Não, não, não, você está errada"
Quando eu era um garoto, tudo estava bem
Tudo estava bem
Eu disse: " Apesar de você saber o que você sabe
Eu sei que estou pronto pra partir"
Porque você me faz sentir como se eu nunca tivesse nascido
Ela disse: "Você não entende o que eu digo"
Eu disse: "Não, não, não, você está errada"
Quando eu era um garoto, tudo estava bem
Tudo estava bem
Ela disse: "Eu sei como é estar morto
Eu sei como é estar triste"
Eu sei que isto é como estar morto
The Smiths
Garotos desobedientes
Que não se tornarão adultos
Devem ser pegos pela mão
Garotas desobedientes
Que não acomodarão
Devem ser pegas pela mão
Uma pancada na cadeça
É o que você ganha por não perguntar
E uma pancada na cadeça
É o que você ganha por perguntar
She Said She Said
The Beatles
Ela disse: "eu sei como é estar morta
Sei como é estar triste"
E ela me fez sentir como se eu nunca tivesse nascido
Eu disse: "Quem pôs essas coisas na sua cabeça
Coisas que me fazem sentir mal"
E você está me fazendo sentir como se eu nunca tivesse nascido
Ela disse: "Você não entende o que eu digo"
Eu disse: "Não, não, não, você está errada"
Quando eu era um garoto, tudo estava bem
Tudo estava bem
Eu disse: " Apesar de você saber o que você sabe
Eu sei que estou pronto pra partir"
Porque você me faz sentir como se eu nunca tivesse nascido
Ela disse: "Você não entende o que eu digo"
Eu disse: "Não, não, não, você está errada"
Quando eu era um garoto, tudo estava bem
Tudo estava bem
Ela disse: "Eu sei como é estar morto
Eu sei como é estar triste"
Eu sei que isto é como estar morto
terça-feira, setembro 27, 2005
trabalho de escola
(um momentinho, só para explicar: o que se segue é um trabalho de escola. foi feito para a matéria de história da arquitetura - antiguidade clássica até medievo. ficou tão bem escrito que eu não resisti: pedi autorização e publiquei aqui para quem interessar possa. parece cinema, com edição de som e imagem. linda fotografia. texto sofisticado. dá pra ver a palpebra da escritora piscando quando muda de foco! uma beleza! era só para descrever um lugar e a menina mostrou cinema! lindo de morrer o poder da invensão!)
Antes de tudo, vou me justificar! Não escolhi o espaço, o qual deveria fazer o exercício proposto.
Não!
Ao contrário, fui escolhida por ele. Fui envolvida quando nele me vi atascada. Já não podia mais renegar a experiência alí vivida. Confesso que preferia optar por espaços transcendentais ou poéticos, porém sou urbana e atada ao cotidiano.
25 de agosto de 2005
Esperava ansiosamente pelo 0.517, destino: Setor Oeste de Sobradinho. Olho o relógio: 18h15min. Três descrições para o momento: cansada depois de passar o dia inteiro no CEUB, faminta ? última refeição: delicius (restaurante em frente a faculdade) 12h e atrasada caso não chegue às 19h em casa para depois ir ao treino de tae kwon do...
Entrei e me dirigi ao fundo do ônibus que estava relativamente vazio para o horário, contudo, todas as cadeiras já estavam ocupadas, me sentei nos degraus da escada, pus meu discman para escutar: Com você... Meu mundo ficaria completo da Cássia Eller. Logo me transportei para longe. Minha mente estava a mil. Pensei no meu dia e como queria minha casa, um banho e comida, hum, como queria um chocolate quente e um pão fresco com manteiga! Porém a vigem estaria apenas começando ainda levaria cerca de quarenta minutos ou até mesmo uma hora para chegar... Olhei para a janela, e tocava O Segundo Sol. Lá fora o sol se punha no horizonte em cores púrpura e laranja, fixava minha atenção em cada enquadramento desta paisagem na medida em que o tempo transcorria. Estava longe e só. Eu e o sol. Eu e o sol?
Poderia mais alguém estar compartilhando dos mesmos devaneios que eu?
Percorri com o olhar o espaço circundante. Dei-me conta que todos aqueles segundos de contemplação poderiam estar sendo compartilhados com alguma outra pessoa. Busquei em todos os semblantes alí presentes. Estavam aproximadamente sessenta pessoas: algumas olhavam o mesmo sol, outras conversavam, outras dormiam. O fato que eram sessenta pessoas diferentes. Eram idosos, estudantes, pais de família. Sessenta vivencias distintas.
As luzes da cidade começam a reluzir com maior intensidade. Os ministérios e a terceira ponte do lago sul surgem no horizonte tomado pela escuridão. Mi sol ya se há puesto...
Pausa:
Começa uma das minhas faixas prediletas... E eu a acompanho e canto o mais alto possível
?Não é porque eu sujei a roupa bem agora que eu já estava saindo
Nem mesmo por que eu peguei o maior trânsito e acabei perdendo o cinema
Não é por que não acho o papel onde anotei o telefone que estou precisando
Nem mesmo o dedo que eu cortei abrindo a lata e ainda continua sangrando...?
Meu mundo ficaria completo (com você)
Confesso muito romântica, mas muito divertida!
A via por onde passamos desenha curvas é íngrime e o volume de veículos é considerável. Assim como a velocidade em que nos deslocamos diminui, minhas associações começam a se organizar de forma mais definida e menos esquizofrênica.
Finalmente alguém cede lugar para o velhinho...
Ou não!
Voltando... Começo a reparar nos componentes físicos do espaço: as cadeiras que estão lado a lado de duas a duas formam fileiras nas laterais como corredor no meio. Porque não o contrário? Talvez não coubessem tantas pessoas... Vejo a cor do estofado e reparo que o piso é antiderrapante. Embora este elemento tenha sido o último a ser tomado em nota talvez fosse o primeiro se hoje estivesse chovendo...
Tenho que me levantar para dar passagem a um senhor que irá descer.
Já se passou trinta minutos e acabei de passar pelo colorado. Prefiro ficar de pé. Minha coluna dói por ficar tanto tempo na mesma posição. Ao me encontrar de pé olho a janela e vejo outro ônibus igual a este passando, vejo também outras pessoas, eu não sou a única a reparar neste fator. Pessoas gostam de ver pessoas. E em meu caso também analiso todos os elementos pertencentes a este espaço pelo tempo que me for lícito. Uma questão surge: em que todas estas pessoas estarão pensando? Na mesma janela vejo imagens que despertam maior atenção que a paisagem, outrora tão observada.
Não vejo apenas meu reflexo; agora, vários. Do vidro posso enxergar a senhora que está na primeira fileira e deste modo acompanho seus movimentos. O material me possibilita ver suas expressões faciais e quase adivinhar o momento de ápice de sua leitura, que talvez se encontre próximo ao fim... Não me importo mais!
Dou sinal. Irei descer.
(...)
Vanessa Schnabel F. Chini
sexta-feira, setembro 23, 2005
Mais informação sobre Dona Dá
Uma homenagem a Dona Dá
Amante do carnaval, incentivadora da folia, Dona Dá é o retrato da alegria que enche as ladeiras de Olinda
Joana Rozowykwiat Passarinho
?Eu tenho o carnaval no sangue?, diz a mulher que, aos 65 anos, não perdeu o pique. Alegre e festeira, não perde uma prévia do Flor da Lira, passagem de qualquer agremiação na Ladeira da Boa Hora, nem a portunidade de fortalecer o Carnaval de rua de Olinda. Essa é Dona Dá, eleita a homenageada da Folia de Momo de 2004, por votação popular.
Filha de Otacílio Brito de Lima e Rosa Airola de Lima, Dona Dá nasceu no Recife, no Bairro de Santo Amaro. ?Ah, mas eu gosto mesmo é de Olinda. Isso aqui tem muitos encantos. Tudo é prazer, é alegria. Quem chega, vai ficando?, comenta empolgada. Dona Dá é uma grande carnavalesca da Marim dos Caetés. Conta que herdou dos pais o gosto pela farra: ?onde tivesse uma lata batendo, eles estavam lá. Eu sou feito eles. Adoro a noite.?
O nome verdadeiro é Jodecilda Airola de Lima. O apelido surgiu graças a seu irmão que, por não conseguir pronunciar seu nome, sempre a chamava de Dá. Viveu a maior parte da sua infância em Olinda, sua avó sempre morou na cidade. Depois que casou, mudou-se de vez para o município.
Com formação técnica em contabilidade, já trabalhou com confecção de fantasias e bordados para a Folia de Momo. Hoje é dona de casa, mãe de três meninas. Dona Dá é uma das fundadoras da excêntrica agremiação Mulher na Vara. De acordo com ela, um grupo de foliões saiu do Varadouro, em direção ao Guadalupe. No meio do caminho, uma menina torceu o pé. Na multidão, não tinha condições de andar. Os amigos compraram uma vara, onde a menina sentou-se e prosseguiu o trajeto. No meio do caminho, todo mundo brincava: olha a mulher na vara! O nome ficou.
Mas Dona Dá é madrinha de várias outras troças. É incentivadora de todas as troças da Ladeira da Boa Hora, onde mora no número 207. Em 1985, ao lado de José Porciúncula (Zezé Popó), a pintora Gina Alves e os moradores da Ladeira, imaginou uma forma de atrair as troças para o local. Começou a fazer, então, um Carnaval participativo, no qual entrega troféus, conseguidos por meio da mobilização dos moradores, aos que desfilam por lá. Na quarta-feira de Cinzas, dia em que vários boizinhos alegram a cidade, a casa de Dona Dá vira QG da folia.
Aliás, durante o Carnaval, a sua morada está aberta para receber a todos. ?Eu tiro os móveis, faço um local de apoio para os foliões conhecidos?. De acordo com ela, nem é preciso sair da frente de casa, já que a Boa Hora, agora, é passagem obrigatória de vários blocos tradicionais.
?O povo costuma dizer até que minha religião é o Carnaval. Eu digo que sou mística, porque eu danço, pulo, brinco, rezo. Sou espontânea o tempo todo. Eu acredito em Deus, carrego o andor da procissão de Santo Antônio, faço tudo direitinho. Eu sou como todo mundo em Olinda: tem a igreja e tem o Carnaval?, explica.
A carnavalesca também gosta da festa do Recife mas, segundo ela, fica difícil se locomover para outra cidade nessa época, ainda por cima com tanta festa ao seu redor: ?pra mim tudo é graça, eu me divirto em qualquer lugar?, encerra.
fonte: http://portalolinda2.interjornal.com.br/noticia.kmf?noticia=1665514&sessao=150&total=12&indice=0
Amante do carnaval, incentivadora da folia, Dona Dá é o retrato da alegria que enche as ladeiras de Olinda
Joana Rozowykwiat Passarinho
?Eu tenho o carnaval no sangue?, diz a mulher que, aos 65 anos, não perdeu o pique. Alegre e festeira, não perde uma prévia do Flor da Lira, passagem de qualquer agremiação na Ladeira da Boa Hora, nem a portunidade de fortalecer o Carnaval de rua de Olinda. Essa é Dona Dá, eleita a homenageada da Folia de Momo de 2004, por votação popular.
Filha de Otacílio Brito de Lima e Rosa Airola de Lima, Dona Dá nasceu no Recife, no Bairro de Santo Amaro. ?Ah, mas eu gosto mesmo é de Olinda. Isso aqui tem muitos encantos. Tudo é prazer, é alegria. Quem chega, vai ficando?, comenta empolgada. Dona Dá é uma grande carnavalesca da Marim dos Caetés. Conta que herdou dos pais o gosto pela farra: ?onde tivesse uma lata batendo, eles estavam lá. Eu sou feito eles. Adoro a noite.?
O nome verdadeiro é Jodecilda Airola de Lima. O apelido surgiu graças a seu irmão que, por não conseguir pronunciar seu nome, sempre a chamava de Dá. Viveu a maior parte da sua infância em Olinda, sua avó sempre morou na cidade. Depois que casou, mudou-se de vez para o município.
Com formação técnica em contabilidade, já trabalhou com confecção de fantasias e bordados para a Folia de Momo. Hoje é dona de casa, mãe de três meninas. Dona Dá é uma das fundadoras da excêntrica agremiação Mulher na Vara. De acordo com ela, um grupo de foliões saiu do Varadouro, em direção ao Guadalupe. No meio do caminho, uma menina torceu o pé. Na multidão, não tinha condições de andar. Os amigos compraram uma vara, onde a menina sentou-se e prosseguiu o trajeto. No meio do caminho, todo mundo brincava: olha a mulher na vara! O nome ficou.
Mas Dona Dá é madrinha de várias outras troças. É incentivadora de todas as troças da Ladeira da Boa Hora, onde mora no número 207. Em 1985, ao lado de José Porciúncula (Zezé Popó), a pintora Gina Alves e os moradores da Ladeira, imaginou uma forma de atrair as troças para o local. Começou a fazer, então, um Carnaval participativo, no qual entrega troféus, conseguidos por meio da mobilização dos moradores, aos que desfilam por lá. Na quarta-feira de Cinzas, dia em que vários boizinhos alegram a cidade, a casa de Dona Dá vira QG da folia.
Aliás, durante o Carnaval, a sua morada está aberta para receber a todos. ?Eu tiro os móveis, faço um local de apoio para os foliões conhecidos?. De acordo com ela, nem é preciso sair da frente de casa, já que a Boa Hora, agora, é passagem obrigatória de vários blocos tradicionais.
?O povo costuma dizer até que minha religião é o Carnaval. Eu digo que sou mística, porque eu danço, pulo, brinco, rezo. Sou espontânea o tempo todo. Eu acredito em Deus, carrego o andor da procissão de Santo Antônio, faço tudo direitinho. Eu sou como todo mundo em Olinda: tem a igreja e tem o Carnaval?, explica.
A carnavalesca também gosta da festa do Recife mas, segundo ela, fica difícil se locomover para outra cidade nessa época, ainda por cima com tanta festa ao seu redor: ?pra mim tudo é graça, eu me divirto em qualquer lugar?, encerra.
fonte: http://portalolinda2.interjornal.com.br/noticia.kmf?noticia=1665514&sessao=150&total=12&indice=0
segunda-feira, setembro 12, 2005
Matraga Paiol - o homem (?) por detrás do mito ou como já dizia minha vó: upa! upa! upa! cavalimho alazão. eieê, não faz assim comigo não!
Matraga Paiol... é a crença na falcidade ideológica como prerrogativa de vida sã. ele sequer é uma bandeira, mas ele denuncia toda a minha adimiração e inveja de Guimarães Rosa. É um sujeitinho desaforado que me apareceu. Curte auto ironia e assume a vontade de mandar quem quer que seja tomar no cu, mas sem nenhum ressentimento, só para liberar energia e causar confusão. Na verdade Matraga paiol não existe, ele paira.
domingo, setembro 04, 2005
festa é isso aí!
um pedaço da minha tese de mestrado que, não poderia ser diferente, fala sobre FESTA!
No carnaval de 1995 ouvi pelas ruas de Olinda um mestre de boi cantando uns versos de improviso, uma loa, como se diz. Os versos não vou poder reproduzir, mas era uma louvação a Deus pela proteção dada para poder, ?no tempo do mundo virado?, estar vendo as coisas bonitas sem se meter em confusão. Desde então é esta a noção de festa que carrego. Independente dos adjetivos aplicados às diversas comemorações ? festas cívicas, religiosas, pagãs ? a festa marca o tempo das coisas bonitas; é a isso que se comemora: as coisas bonitas. É um tempo que não se preenche, é um tempo do qual se participa. Diferente do tempo ordinário, não existe passado ou futuro, somente um presente gordo, obliterado, em si mesmo. O que distingue a realidade natural da representação é antes a temporalidade sinalizada pelo figurino e a música do que uma atitude mental diferenciada a respeito de si ou dos outros.
Ainda hoje é comum nas várias localidades do Brasil ser o cotidiano o período entre-festas. O tempo é pautado em função das comemorações de São João, do Natal, do carnaval, a festa do Rosário. Do dia comum se perde a data, mas do Natal todos sabem. O clima do carnaval começa com meses de antecedência, seja pelo planejamento pessoal ou socialmente compartilhado nos gritos de Carnaval .
?No tempo do mundo virado? estão suspensas todas as regras ou obrigações do cotidiano. Toda uma conjunta de estratégias aplicadas para administrar o tempo ordinário é substituída por uma série de táticas aplicadas a um novo contexto de vivências em que o compromisso com tempo inexiste. O que existe é a festa e na festa interessa ritmo do próprio sujeito e o ritmo do todo.
notas:
?Isso parece-me agora também característico para a festa: o fato de que ela, pela sua própria festividade faz parar o tempo e leva-o a demorar-se ? isto é o festejar?. Gadamer, Hans-Georg: A atualidade do belo: a arte como jogo, símbolo e festa. ? Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985. p ? 65.
?espero um ano inteiro / até ver chegar fevereiro / para ouvir o clarim clarinar / e a alegria chegar / essa alegria em mim parece que não terá fim / mas se o frevo acabar acho que vou chorar?
"De Chapéu de sol Aberto", frevo canção de Capiba em parceria com Ferreira dos Santos, gravadora Marcus Pereira, 1972;
No carnaval de 1995 ouvi pelas ruas de Olinda um mestre de boi cantando uns versos de improviso, uma loa, como se diz. Os versos não vou poder reproduzir, mas era uma louvação a Deus pela proteção dada para poder, ?no tempo do mundo virado?, estar vendo as coisas bonitas sem se meter em confusão. Desde então é esta a noção de festa que carrego. Independente dos adjetivos aplicados às diversas comemorações ? festas cívicas, religiosas, pagãs ? a festa marca o tempo das coisas bonitas; é a isso que se comemora: as coisas bonitas. É um tempo que não se preenche, é um tempo do qual se participa. Diferente do tempo ordinário, não existe passado ou futuro, somente um presente gordo, obliterado, em si mesmo. O que distingue a realidade natural da representação é antes a temporalidade sinalizada pelo figurino e a música do que uma atitude mental diferenciada a respeito de si ou dos outros.
Ainda hoje é comum nas várias localidades do Brasil ser o cotidiano o período entre-festas. O tempo é pautado em função das comemorações de São João, do Natal, do carnaval, a festa do Rosário. Do dia comum se perde a data, mas do Natal todos sabem. O clima do carnaval começa com meses de antecedência, seja pelo planejamento pessoal ou socialmente compartilhado nos gritos de Carnaval .
?No tempo do mundo virado? estão suspensas todas as regras ou obrigações do cotidiano. Toda uma conjunta de estratégias aplicadas para administrar o tempo ordinário é substituída por uma série de táticas aplicadas a um novo contexto de vivências em que o compromisso com tempo inexiste. O que existe é a festa e na festa interessa ritmo do próprio sujeito e o ritmo do todo.
notas:
?Isso parece-me agora também característico para a festa: o fato de que ela, pela sua própria festividade faz parar o tempo e leva-o a demorar-se ? isto é o festejar?. Gadamer, Hans-Georg: A atualidade do belo: a arte como jogo, símbolo e festa. ? Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985. p ? 65.
?espero um ano inteiro / até ver chegar fevereiro / para ouvir o clarim clarinar / e a alegria chegar / essa alegria em mim parece que não terá fim / mas se o frevo acabar acho que vou chorar?
"De Chapéu de sol Aberto", frevo canção de Capiba em parceria com Ferreira dos Santos, gravadora Marcus Pereira, 1972;
O carnaval nem está perto, mas o comichão está me amtando!
Ô ô ô ô saudade, saudade tão grande - Antônio Maria
OS FREVOS DE ANTÔNIO MARIA....
Por Juliana Guerra
Nome consagrado da Música Popular Brasileira, Antônio Maria costumava dizer que o Recife é uma cidade para se sentir saudade. E foi com esse sentimento em relação a sua terra natal que ele compôs o "Frevo nº 1" (gravado por vários intérpretes, entre eles Maria Bethânia), em 1952 quando tentava a vida no Rio de Janeiro.
Frevo nº 1 do Recife
Ô ô ô ô saudade
Saudade tão grande
Saudade que eu sinto
Do Clube das Pás, do Vassouras
Passistas traçando tesouras
Nas ruas repletas de lá
Batidas de bombos
São maracatus retardados
Chegando à cidade, cansados,
Com seus estandartes no ar.
Não adianta se o Recife está longe
E a saudade é tão grande
Que eu até me embaraço
Parece que eu vejo
Valfrido Cebola no passo
Haroldo Fatias, Colaço
Recife está perto de mim.
Frevo nº 2 do Recife
Ai que saudade tenho do meu Recife
Da minha gente que ficou por lá
Quando eu pensava, chorava, falava
Contava vantagem, marcava viagem
Mas não resolvia se ia
Vou-me embora
Vou-me embora
Vou-me embora
Pra lá
Mas tem que ser depressa
Tem que ser pra já
Eu quero sem demora
O que ficou por lá
Vou ver a Rua Nova,
Imperatriz, Imperador
Vou ver, se possível
Meu amor.
Frevo nº 3 do Recife
Sou do Recife com orgulho e com saudade
Sou do Recife com vontade de chorar
O rio passa levando barcaça pro alto mar
E em mim não passa essa vontade de voltar
Recife mandou me chamar
Capiba e Zumba essa hora onde é que estão
Inês e Rosa em que reinado reinarão
Ascenso me mande um cartão
Rua antiga da Harmonia
Da Amizade, da Saudade, da União
São lembranças noite e dia
Nelson Ferreira toque aquela introdução
agora, perquisa minha
Historinhas de Antônio Maria
"Quando eu fiz quinze anos, ganhei um relógio de pulso e 5 mil réis. Olhei os ponteiros, vi que era hora de fazer uma besteira e entrei num botequim. Estávamos veraneando em Boa Viagem e, quando era de tardinha, o pessoal da minha idade vinha, de banho tomado e roupa limpa, inventar mentira sobre as moças ? namoros, bolinagens veladas, agrados sinistros, tudo mentira, tudo imaginação. No dia dos meus anos, em vez de conversar essas coisas, compramos uma garrafa de Bagaceira Pingo de Uva e eu, sozinho, para ganhar uma aposta de dois mil réis, bebi toda. Anoiteceu, me deixaram na praia, a maré cresceu e me levou. Quem deu por mim foi um negro chamado Paulo, que tinha ido molhar os pés na franja da onda. Não sabia onde eu morava, nem o nome de minha mãe. Saiu, andando comigo no ombro, perguntando a todo mundo e, aos poucos, mais de cem pessoas acompanhavam o menino bêbedo, desacordado, que o mar ia levando. Quando acordei eram três da madrugada e minhas irmãs choravam ao pé da minha cama. Quando compreendi a gravidade daquele momento, comecei a chorar também ? choramos em coro, cinco pessoas, até seis horas, sem dizer uma palavra, quando dormimos abraçados, com pecado e o sofrimento lavados pelas nossas lágrimas quentes."
Mesmo sendo uma pessoa extrovertida e de muitos amigos (e inimigos), Maria, como era chamado por eles, sempre teve a solidão dentro de si. Um exemplo está em sua crônica "Oração", escrita em 30-03-1954: "Rosinha Desossée, me tire desse quarto de hotel e de todas as coisas que entram pela janela; me leve para longe das palmeiras, mais longe e perto das coisas mais macias; me faça esquecer (depressa) os homens ruins ? isto é: os que gostam de cebola crua; me ensine, Rosinha Desossée, tudo o que eu não aprendi: a cortar com a mão direita, a usar anel, a tocar piano, a desenhar uma árvore e valsar; e me lembre do que eu esqueci ? raiz quadrada, (as mais ordinárias), frações, latim, geofísica e "Navio Negreiro", de Castro Alves; depois, me dê, pelo bem dos seus filhinhos, aquilo que eu não tenho há quase um ano, carinho ? de um jeito que eu não sei dizer como é, mas que há, por aí ou, pelo menos, já houve; destelhe a casa, deixe a noite entrar e, juntos, vamos nos resfriar; espirre de lá, que eu espirro de cá... agora, cada um com a sua bombinha, inalação, inalação; lado a lado, sentemos, os dois de perfil para o ventilador; minhas mãos e as suas não são de ninguém, entendido?; se interesse por mim e pergunte o que eu sei, que eu quero exclamar, no mais puro francês: "oh!"..."comment allez vous"? (...) de um jeito ou de outro, me tire daqui, pra Pérsia, Sibéria, pro Clube da Chave, pra Marte, Inglaterra, sem couvert, sem couvert; está vendo o retrato dos meus 20 anos? de lá para cá, cansaço, pé chato, gordura, calvície fizeram de mim essa coisa ansiosa, insegura e com sono, que pede a você, no auge do manso: você, Desossée, não saia esta noite e fique, ao meu lado, esperando que o sono me tome e me mate, me salve e me leve, por amor ao teu andar, assim seja..."
Aracy de Almeida foi uma de suas grandes amigas. Sabia tudo sobre Antônio Maria e, mesmo assim, como dizia brincando, continuava a gostar dele. Era desprovido de qualquer cerimônia: uma vez pediu a ela ajuda para colocar um supositório ("Já tentei todas as posições e não consegui nada."). Em outra oportunidade, ele e Vinícius de Morais, também seu grande amigo, tentavam cumprir um compromisso assumido: fazer um jingle para o lançamento de um... regulador feminino. Estavam com inúmeros outros trabalhos e foram pedir ajuda a Aracy. Ela, sem pensar muito, tomando emprestada a melodia de O orvalho vem caindo, de Noel, atacou de pronto: "? O ovário vem caindo...". Carlos Heitor Cony dizia que se o autor fosse mandado para cobrir a posse do papa, voltaria cardeal.
Cony conta: "Um dia, Maria me telefona: ? Carlos Heitor, Carlos Heitor, você nunca me enganou." Disse então que, vindo de São Paulo, viu no avião uma mulher linda lendo o livro Matéria de Memórias, de Cony. Aproximou-se, se apresentou como o autor do livro, e a mulher, uma típica apaixonada, acreditou. Pintou para ela um quadro bastante dramático: era um desgraçado, que nunca tinha tido sucesso, que as mulheres o abandonavam. "? Mas, Maria..." era tudo o que o espantado Cony conseguia dizer. "? Fica tranqüilo, Cony, fica tranqüilo porque em seguida nós fomos pra cama. Ou melhor, você foi pra cama." E Cony, curioso: "? E ai?" "? E aí foi que aconteceu o problema" ? gargalhava Maria. "? E ai você broxou, Cony, você broxou!"
Cronista, locutor esportivo, produtor de rádio, compositor de jingles, é dele essa pequena jóia literária, interpretada por Dircinha Batista, para o remédio Aurissedina:
"Se a criança acordou
Doooooorme, doooooorme filhinha
Tudo calmo ficou
Mamãe tem
Aurissedina"
Maria, não satisfeito, passou a ilustrar suas crônicas, onde sempre apareciam, num canto, a ave Ivanov e o gato Profumo. Disse, respondendo a um leitor que estranhou esse procedimento: "Entrei para o rol dos caricaturistas para iniciar um grande movimento nacional pela caricatura. Não a que eu faço. Mas a caricatura que você faz, que outros fazem... sempre sem vez. O Brasil é um país sem caricatura. Por isso, um país triste. A caricatura é mais importante que o retrato."
Autor de jingles comerciais em parceria com Geraldo Mendonça e com o Maestro Aldo Taranto, acabou compondo letra para um samba que falava numa "poltrona surrada / um cigarro apagado / só nós dois e mais nada..." Não fez sucesso, mas pouco depois compôs um frevo, que foi o primeiro de uma série de cinco, chamado Frevo nº. 1 do Recife, gravado pelo Trio de Ouro em agosto de 1951. Nesse mesmo ano, com Fernando Lobo, compõe o samba Querer Bem, gravado por Aracy de Almeida.
No ano seguinte duas gravações na voz de Nora Ney se transformam em grande sucesso na programação das rádios brasileiras: Menino Grande e Ninguém me ama. Essas músicas são, até hoje, lembradas por diversas gerações, sempre com muita emoção. Compôs, também, outros grandes sucessos, dentre os quais podemos destacar Valsa de uma cidade e Canção da Volta, com Ismael Neto; Manhã de Carnaval e Samba do Orfeu, com Luís Bonfá, em 1959; O Amor e a Rosa e As Suas mãos, com Pernambuco, e Se eu Morresse Amanhã. De sua grande produção musical, apenas 62 foram gravadas. Eram, em sua maioria, tristes, de dor-de-cotovelo. Além dos acima citados, foram seus parceiros, entre outros: Fernando Lobo, Moacyr Silva, Vinicius de Moraes, Zé da Zilda e Reynaldo Dias Leme. Alguns dos intérpretes de suas músicas: Nora Ney, Dolores Duran, Elizeth Cardoso, Lúcio Alves, Doris Monteiro, Jamelão, Ângela Maria, Aracy de Almeida, Agostinho dos Santos, Dircinha Batista, Luiz Bandeira e Claudionor Germano, além de Nat King Cole, que gravou Ninguém me ama e Tuas mãos.
Convidado, no começo de outubro de 1964, pelo compositor Miguel Gustavo, para ser seu parceiro na produção de um programa de televisão, respondeu com um bilhete nos seguintes termos: "Nome - Antônio, simples. Telefone: 36-1255, mas só até o dia 14, porque saio do ar..."
textos extraidos do site: http://www.releituras.com/antoniomaria_bio.asp
Livros:
- O Jornal de Antônio Maria - Editora Saga/1968 - seleção de Ivan Lessa.
- Com vocês, Antônio Maria - Editora Paz e Terra/1994 - seleção de
Alexandra Bertola.
- Benditas sejam as moças: As crônicas de Antônio Maria - Editora
Civilização Brasileira/2002 - organização Joaquim Ferreira dos Santos.
- O diário de Antônio Maria - Editora Civilização Brasileira/2002 - Joaquim
Ferreira dos Santos (apresentação).
Sobre o autor:
- Antônio Maria: noites de Copacabana - Editora Relume-Dumará/1996 - Joaquim Ferreira dos Santos - Coleção "Perfis do Rio".
Teatro:
- Brasileiro, Profissão: Esperança, musical com Clara Nunes e Paulo Gracindo, textos de Paulo Fontes e direção de Bibi Ferreira.
- A noite é uma criança; musical que tem o roteiro e a atuação de Marcos França, acompanhado de Claudia Ventura e Alexandre Dantas Teatro Maria Clara Machado (Planetário), Rio de Janeiro - 2004.
Discos:
- Brasileiro, Profissão: Esperança, gravação ao vivo do musical de mesmo nome, com Paulo Gracindo e Clara Nunes, I. E. M. Fábricas Odeon S.A., 1974.
Por Juliana Guerra
Nome consagrado da Música Popular Brasileira, Antônio Maria costumava dizer que o Recife é uma cidade para se sentir saudade. E foi com esse sentimento em relação a sua terra natal que ele compôs o "Frevo nº 1" (gravado por vários intérpretes, entre eles Maria Bethânia), em 1952 quando tentava a vida no Rio de Janeiro.
Frevo nº 1 do Recife
Ô ô ô ô saudade
Saudade tão grande
Saudade que eu sinto
Do Clube das Pás, do Vassouras
Passistas traçando tesouras
Nas ruas repletas de lá
Batidas de bombos
São maracatus retardados
Chegando à cidade, cansados,
Com seus estandartes no ar.
Não adianta se o Recife está longe
E a saudade é tão grande
Que eu até me embaraço
Parece que eu vejo
Valfrido Cebola no passo
Haroldo Fatias, Colaço
Recife está perto de mim.
Frevo nº 2 do Recife
Ai que saudade tenho do meu Recife
Da minha gente que ficou por lá
Quando eu pensava, chorava, falava
Contava vantagem, marcava viagem
Mas não resolvia se ia
Vou-me embora
Vou-me embora
Vou-me embora
Pra lá
Mas tem que ser depressa
Tem que ser pra já
Eu quero sem demora
O que ficou por lá
Vou ver a Rua Nova,
Imperatriz, Imperador
Vou ver, se possível
Meu amor.
Frevo nº 3 do Recife
Sou do Recife com orgulho e com saudade
Sou do Recife com vontade de chorar
O rio passa levando barcaça pro alto mar
E em mim não passa essa vontade de voltar
Recife mandou me chamar
Capiba e Zumba essa hora onde é que estão
Inês e Rosa em que reinado reinarão
Ascenso me mande um cartão
Rua antiga da Harmonia
Da Amizade, da Saudade, da União
São lembranças noite e dia
Nelson Ferreira toque aquela introdução
agora, perquisa minha
Historinhas de Antônio Maria
"Quando eu fiz quinze anos, ganhei um relógio de pulso e 5 mil réis. Olhei os ponteiros, vi que era hora de fazer uma besteira e entrei num botequim. Estávamos veraneando em Boa Viagem e, quando era de tardinha, o pessoal da minha idade vinha, de banho tomado e roupa limpa, inventar mentira sobre as moças ? namoros, bolinagens veladas, agrados sinistros, tudo mentira, tudo imaginação. No dia dos meus anos, em vez de conversar essas coisas, compramos uma garrafa de Bagaceira Pingo de Uva e eu, sozinho, para ganhar uma aposta de dois mil réis, bebi toda. Anoiteceu, me deixaram na praia, a maré cresceu e me levou. Quem deu por mim foi um negro chamado Paulo, que tinha ido molhar os pés na franja da onda. Não sabia onde eu morava, nem o nome de minha mãe. Saiu, andando comigo no ombro, perguntando a todo mundo e, aos poucos, mais de cem pessoas acompanhavam o menino bêbedo, desacordado, que o mar ia levando. Quando acordei eram três da madrugada e minhas irmãs choravam ao pé da minha cama. Quando compreendi a gravidade daquele momento, comecei a chorar também ? choramos em coro, cinco pessoas, até seis horas, sem dizer uma palavra, quando dormimos abraçados, com pecado e o sofrimento lavados pelas nossas lágrimas quentes."
Mesmo sendo uma pessoa extrovertida e de muitos amigos (e inimigos), Maria, como era chamado por eles, sempre teve a solidão dentro de si. Um exemplo está em sua crônica "Oração", escrita em 30-03-1954: "Rosinha Desossée, me tire desse quarto de hotel e de todas as coisas que entram pela janela; me leve para longe das palmeiras, mais longe e perto das coisas mais macias; me faça esquecer (depressa) os homens ruins ? isto é: os que gostam de cebola crua; me ensine, Rosinha Desossée, tudo o que eu não aprendi: a cortar com a mão direita, a usar anel, a tocar piano, a desenhar uma árvore e valsar; e me lembre do que eu esqueci ? raiz quadrada, (as mais ordinárias), frações, latim, geofísica e "Navio Negreiro", de Castro Alves; depois, me dê, pelo bem dos seus filhinhos, aquilo que eu não tenho há quase um ano, carinho ? de um jeito que eu não sei dizer como é, mas que há, por aí ou, pelo menos, já houve; destelhe a casa, deixe a noite entrar e, juntos, vamos nos resfriar; espirre de lá, que eu espirro de cá... agora, cada um com a sua bombinha, inalação, inalação; lado a lado, sentemos, os dois de perfil para o ventilador; minhas mãos e as suas não são de ninguém, entendido?; se interesse por mim e pergunte o que eu sei, que eu quero exclamar, no mais puro francês: "oh!"..."comment allez vous"? (...) de um jeito ou de outro, me tire daqui, pra Pérsia, Sibéria, pro Clube da Chave, pra Marte, Inglaterra, sem couvert, sem couvert; está vendo o retrato dos meus 20 anos? de lá para cá, cansaço, pé chato, gordura, calvície fizeram de mim essa coisa ansiosa, insegura e com sono, que pede a você, no auge do manso: você, Desossée, não saia esta noite e fique, ao meu lado, esperando que o sono me tome e me mate, me salve e me leve, por amor ao teu andar, assim seja..."
Aracy de Almeida foi uma de suas grandes amigas. Sabia tudo sobre Antônio Maria e, mesmo assim, como dizia brincando, continuava a gostar dele. Era desprovido de qualquer cerimônia: uma vez pediu a ela ajuda para colocar um supositório ("Já tentei todas as posições e não consegui nada."). Em outra oportunidade, ele e Vinícius de Morais, também seu grande amigo, tentavam cumprir um compromisso assumido: fazer um jingle para o lançamento de um... regulador feminino. Estavam com inúmeros outros trabalhos e foram pedir ajuda a Aracy. Ela, sem pensar muito, tomando emprestada a melodia de O orvalho vem caindo, de Noel, atacou de pronto: "? O ovário vem caindo...". Carlos Heitor Cony dizia que se o autor fosse mandado para cobrir a posse do papa, voltaria cardeal.
Cony conta: "Um dia, Maria me telefona: ? Carlos Heitor, Carlos Heitor, você nunca me enganou." Disse então que, vindo de São Paulo, viu no avião uma mulher linda lendo o livro Matéria de Memórias, de Cony. Aproximou-se, se apresentou como o autor do livro, e a mulher, uma típica apaixonada, acreditou. Pintou para ela um quadro bastante dramático: era um desgraçado, que nunca tinha tido sucesso, que as mulheres o abandonavam. "? Mas, Maria..." era tudo o que o espantado Cony conseguia dizer. "? Fica tranqüilo, Cony, fica tranqüilo porque em seguida nós fomos pra cama. Ou melhor, você foi pra cama." E Cony, curioso: "? E ai?" "? E aí foi que aconteceu o problema" ? gargalhava Maria. "? E ai você broxou, Cony, você broxou!"
Cronista, locutor esportivo, produtor de rádio, compositor de jingles, é dele essa pequena jóia literária, interpretada por Dircinha Batista, para o remédio Aurissedina:
"Se a criança acordou
Doooooorme, doooooorme filhinha
Tudo calmo ficou
Mamãe tem
Aurissedina"
Maria, não satisfeito, passou a ilustrar suas crônicas, onde sempre apareciam, num canto, a ave Ivanov e o gato Profumo. Disse, respondendo a um leitor que estranhou esse procedimento: "Entrei para o rol dos caricaturistas para iniciar um grande movimento nacional pela caricatura. Não a que eu faço. Mas a caricatura que você faz, que outros fazem... sempre sem vez. O Brasil é um país sem caricatura. Por isso, um país triste. A caricatura é mais importante que o retrato."
Autor de jingles comerciais em parceria com Geraldo Mendonça e com o Maestro Aldo Taranto, acabou compondo letra para um samba que falava numa "poltrona surrada / um cigarro apagado / só nós dois e mais nada..." Não fez sucesso, mas pouco depois compôs um frevo, que foi o primeiro de uma série de cinco, chamado Frevo nº. 1 do Recife, gravado pelo Trio de Ouro em agosto de 1951. Nesse mesmo ano, com Fernando Lobo, compõe o samba Querer Bem, gravado por Aracy de Almeida.
No ano seguinte duas gravações na voz de Nora Ney se transformam em grande sucesso na programação das rádios brasileiras: Menino Grande e Ninguém me ama. Essas músicas são, até hoje, lembradas por diversas gerações, sempre com muita emoção. Compôs, também, outros grandes sucessos, dentre os quais podemos destacar Valsa de uma cidade e Canção da Volta, com Ismael Neto; Manhã de Carnaval e Samba do Orfeu, com Luís Bonfá, em 1959; O Amor e a Rosa e As Suas mãos, com Pernambuco, e Se eu Morresse Amanhã. De sua grande produção musical, apenas 62 foram gravadas. Eram, em sua maioria, tristes, de dor-de-cotovelo. Além dos acima citados, foram seus parceiros, entre outros: Fernando Lobo, Moacyr Silva, Vinicius de Moraes, Zé da Zilda e Reynaldo Dias Leme. Alguns dos intérpretes de suas músicas: Nora Ney, Dolores Duran, Elizeth Cardoso, Lúcio Alves, Doris Monteiro, Jamelão, Ângela Maria, Aracy de Almeida, Agostinho dos Santos, Dircinha Batista, Luiz Bandeira e Claudionor Germano, além de Nat King Cole, que gravou Ninguém me ama e Tuas mãos.
Convidado, no começo de outubro de 1964, pelo compositor Miguel Gustavo, para ser seu parceiro na produção de um programa de televisão, respondeu com um bilhete nos seguintes termos: "Nome - Antônio, simples. Telefone: 36-1255, mas só até o dia 14, porque saio do ar..."
textos extraidos do site: http://www.releituras.com/antoniomaria_bio.asp
Livros:
- O Jornal de Antônio Maria - Editora Saga/1968 - seleção de Ivan Lessa.
- Com vocês, Antônio Maria - Editora Paz e Terra/1994 - seleção de
Alexandra Bertola.
- Benditas sejam as moças: As crônicas de Antônio Maria - Editora
Civilização Brasileira/2002 - organização Joaquim Ferreira dos Santos.
- O diário de Antônio Maria - Editora Civilização Brasileira/2002 - Joaquim
Ferreira dos Santos (apresentação).
Sobre o autor:
- Antônio Maria: noites de Copacabana - Editora Relume-Dumará/1996 - Joaquim Ferreira dos Santos - Coleção "Perfis do Rio".
Teatro:
- Brasileiro, Profissão: Esperança, musical com Clara Nunes e Paulo Gracindo, textos de Paulo Fontes e direção de Bibi Ferreira.
- A noite é uma criança; musical que tem o roteiro e a atuação de Marcos França, acompanhado de Claudia Ventura e Alexandre Dantas Teatro Maria Clara Machado (Planetário), Rio de Janeiro - 2004.
Discos:
- Brasileiro, Profissão: Esperança, gravação ao vivo do musical de mesmo nome, com Paulo Gracindo e Clara Nunes, I. E. M. Fábricas Odeon S.A., 1974.
sexta-feira, julho 29, 2005
Casta "Cata".
Estava cheio de Catarina, sua esposa. Lembrava dos tempos de namoro: mulher só é dez no começo. Tudo nela lhe irritava; ora o gênio, ora a pasmaceira, sobretudo o pudor. Ficava ruborizada com revistas femininas. No fundo acreditava que mulher direita não goza, ou, pelo menos é discreta. Tentava imaginar a mãe, muito moderna mas que, olhando direito, era igual a avó.
Não largava dela por ser confortável aquela vida; gostava da "casta Cata", como a chamava ironizando. O que não queria era o tédio. De mais a mais não tinha idade nem disposição para conquistas, chegar em casa sozinho e encarar um cinco-contra-um. Esposa tem suas vantagens, dizia. Se bem que, na adolecência se divertia muito. Tinha vários truques: pintava as unhas e imaginava ser "daquela dona" a mão. Usava luvas de renda da mãe, mas o troféu era uma par de luvas de pelica que a irmã mais velha ganhara em uma viagem ao sul.
- Vou jogar essa madre na mão de um sacana, articulou enquanto lia o guia de tv. Mas quem? Tinha o Túlio, contador do condomínio. Tipão, come quieto, e, diziam, chegado a umas esquisitices. Falou com o sujeito e combinaram uma armação: faz essa mulher subir pelas paredes, combinado? Lógico. Dialogo curto mas que dizia tudo.
Levou a mulher a um baile na academia de dança e deu-lhe um porre de champagne. A pobre acordou ao lado do Túlio. Lembrava ter tido uma noite dos diabos. Só pode ter sido o champagne, pensou, travessa e sorridente como nunca. Resolveu acordar o outro com uma lambida no peito e tirar a prova dos nove. Bingo.
Entrou em casa e deu de cara com o marido na sala com um risinho no canto da boca.
- Gostou? Tem mais um presente no quarto.
Em cima da cama um lindo casaco de peles.
- Vai usar pra ele, na minha frente, sem nada por baixo e sem tirar, entendeu?
Sem entender nada, abraçou o casaco enquanto o marido telefonava para o Túlio. Entendeu menos ainda quando o marido lhe estendeu um par de luvas de pelica e lhe sussurrou no ouvido: hoje vai ter diversão pra todo mundo.
domingo, julho 24, 2005
Da série: "las cantadas" que levarei para o inferno.
Um advogado, por e-mail.
A mensagem:
Olá, gostei de saber que vc olhou o meu perfil. Espero que tenha gostado...!
Gostaria de conhecer mais sobre vc. Adorei o seu perfil, mas quero pedir uma oportunidade de ter um contato mais próximo com vc. Não obstante, e com muita satisfação, que digo que através do seu perfil verifiquei que possui inúmeras qualidades, mas gostaria de conhecer seus defeitos, pois a sabedoria popular diz: ?pode possuir inúmeras qualidades, mas vão te lembrar pelo teu único defeito?. Vei mui respeitosamente auferir essa dialética com vc, não só para pronunciar palavras ao leu, e evitando assim comentários jocosos, pois no bojo dessa minha peregrinação encontrei vc, e me encantei e sinto que se me deres uma oportunidade agarrarei com mãos firmes e cuida que só um homem de verdade pode fazer. Um homem responsável, carinhoso, alegre, espontâneo e alegre, pois está mais do que ínsito minha atração por ti. Deveras não só me deleitar com suas palavras doces e suaves, que registram sua marca em aparente demonstrativo que sucumbe sua imagem, mas torna ela bela e pena... quero pedir através desse instrumento que entre e contato comigo. Meu e-mail é ?---@---.---.--?e meu nome é momomo beijos e um forte abraço nessa em que repousa meus pensamentos ...!
A resposta:
Adorei o que escrevestes, principalmente pelo uso da segunda pessoa e de vocabulário tão interessante. Fez-me voltar aos parnasianos e seu ideal de beleza clássica e medida. Imagino, pelo gosto das belas letras que sejas magistrado e me rendo a tão argentina lida. Quando dizes de tuas mãos firmes a agarrar, ?que só um homem de verdade pode fazer? inevitável me veio certa lubricidade trazida pelos termos. Sucumbi eu às tuas palavras que com tua imagem de busto exposta me fez pensar em, amarradas as suas mãos ao estrado da cama com delicada tira de cetim, pudesse eu transcrever em nanquin tuas palavras na branca pele do teu corpo com finíssimo e macio pincel japonês. Recitarias as máximas da legislatura romana, os tratados de amor de Ovídio no que revelam do prazer dos amantes em via pública. Palavras estas que fatalmente espelhadas em meu corpo, testemunhas tatuadas da proximidade lúbrica de tua tez à minha e dentro de mim, a escrita do teu pênis ereto. Depois lhe vestiria a camisa de linho e dado o nó em tua gravata - nó windsor, para distinguir-te do mais de toda turba - lhe deixaria ir, somente visível uma marca no pescoço a causar inveja aos teus amigos e ciúmes a quem nutre incompleto desejo de ti.
Sli
"Segredos...? Para que servem? Guardar palavras em silêncio? Não se transmitir as emoções? Um segredo é uma emoção guardada dentro das cavidades mais profundas e mais desejadas de teu corpo, uma emoção com medo de ser mostrada para o mundo... Por que ter medo das emoções? Se elas são feitas para serem transmitidas aos que ardem de desejo por vc ,se elas servem para levar alegria, desejo e tesão... Emoção que serve muitas vezes para dizer simplesmente: te quero e quero ficar eternamente dentro de você! No murmúrio de palavras sem nexos, os lábios tremem ainda sob o contato tímido e sorrateiro nos deixando perplexos. Com o olhar em seu olhar,acreditamos que a aproximação de nossas bocas se torna inevitável. Então, no êxtase de nossa união, os reflexos relaxam com o roçar de línguas que tentam buscar um pouco de paixão ou puro tesão.
Não reprimimos...o tempo parece voar. Nossa saliva se mescla com nossa ânsia e o beijo nos faz sentir o que nunca sentimos... Somos um todo e queremos tudo... Amamos,fechamos nossos olhos e sonhamos, teu corpo nu junto ao meu entrelaçados sobre o suor e desejo enquanto meu pênis ereto penetra vc...?
sábado, julho 23, 2005
Assinar:
Postagens (Atom)